quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Descendo ao real

"Nada como a dureza da actual crise para testarmos a aplicabilidade, no concreto, de discursos políticos que, à força de serem feitos no vazio, perdem por vezes a necessária aderência à realidade. Seguem-se alguns exemplos. Começo pelo caso da Qimonda, reconhecidamente uma das melhores e mais eficazes unidades da multinacional alemã e agora com os seus 1700 trabalhadores em risco de desemprego em Vila do Conde. Durante a semana, deputados portugueses de todos os partidos políticos (grupo em que me incluí) juntaram-se aos seus colegas alemães num apelo comum aos respectivos governos para que, em conjunto, analisem as condições de viabilidade da empresa e lhe facilitem o acesso ao crédito necessário à reconversão viabilizadora que estava em curso. Devendo sublinhar-se que, enquanto o Governo português se mobilizou imediatamente no acompanhamento do processo, já o mesmo não aconteceu na Alemanha.
Este exemplo ilustra cabalmente uma questão que está na ordem do dia: a ausência, a nível europeu, de uma articulação forte entre as políticas económicas dos distintos estados-membros; se quiséssemos ilustrações ainda mais marcantes, bastaria apreciar a disparidade de instrumentos que os distintos países lançaram para apoiar os seus bancos - que depois vão concorrer entre si no mercado interno comum -, a sua indústria automóvel - com riscos de concorrência, não só entre empresas mas também entre os sistemas de apoio (Alemanha, França, Itália, Espanha e, até mesmo, Portugal) - ou as suas PME; note-se que também o sector têxtil foi objecto de um debate, em que participei, no Parlamento Europeu.
Assim se vai tornando clara a evidência de que, em tempos de crise, não só "cada país olha por si" e define o seu próprio plano de "ataque" à mesma para satisfazer os seus cidadãos - veja-se, neste sentido, a importante entrevista dada por Sarkozy à televisão oficial francesa na passada quinta-feira - como também de que só alguns países têm condições (políticas, demográficas e financeiras) para viabilizar programas de relançamento com impacto; em bom rigor, deveria caber ao nível europeu comum a compensação destas diferenças, em nome da tão proclamada "coesão" - mas que se pode esperar de um orçamento comum que representa pouco mais do que 1% da riqueza colectiva (o orçamento federal dos EUA representa 30%) e de uma Comissão Europeia que se tem de vergar ao somatório dos interesses dos principais países contribuintes, sempre ávidos de recuperar, pela via das "despesas europeias", as respectivas contribuições orçamentais para aquele pequeníssimo bolo comum?
É neste contexto que, quando os países economicamente mais débeis procuram financiamento para os respectivos programas de relançamento, surgem os implacáveis mercados financeiros a cobrar-lhes, apesar de membros da União Europeia, juros incomportavelmente mais elevados do que os praticados às economias mais robustas. Neste cenário, com o desemprego a aumentar em toda a Europa como uma "bola de neve", manifestações contra os trabalhadores imigrantes italianos e portugueses - com o slogan "empregos ingleses para cidadãos ingleses" - são um perigosíssimo rastilho que tem de ser rapidamente apagado, face ao risco de alastramento de um fogo sem fim.
É também neste contexto que, numa região como a do Norte, se percebe a necessidade de consolidar, nacional e internacionalmente, o "músculo" das diversas dinâmicas que a compõem. Basta recordar, regressando à Qimonda, que são exportações como as suas que alimentam o aeroporto Sá Carneiro, que é a ida e vinda de colaboradores e técnicos como os seus que alimenta os hotéis ou os restaurantes locais, que são os salários pagos a trabalhadores como os seus que alimentam o comércio de proximidade e pagam as escolas dos filhos. É por isso que, hoje como nunca, importará menos "pensar local e agir global" do que o seu contrário
"…

Artigo de opinião de Elisa Ferreira, publicado no «Jornal de Notícias» do dia 8 de Fevereiro de 2009

Condições para mudar a cidade

Elisa Ferreira, candidata do PS às eleições na Câmara do Porto, referiu, numa longa entrevista ao Jornal de Negócios, publicada no pasado dia 30 de Janeiro, que quer mudar a cidade, esperando para isso ter condições. "A política aconteceu-me", diz. Não é filiada e se tivesse que definir a sua "área ideológica", diria que "cruza um certo idealismo com um certo realismo". Aceitou ser ministra "por brio". Depois saiu, para ser eurodeputada. Agora está de volta. Quer fazer da urbe onde nasceu "a cidade afirmada e orgulhosa que o Porto é".

“Elisa Ferreira: Porto é um grande desafio”

Relançar o Porto é a promessa que Elisa Ferreira faz à cidade. Ser presidente da Câmara, garante, seria "a coisa mais importante" da sua vida e deixaria todo o trabalho que está a desenvolver. Se for eleita vereadora, abandonará o Parlamento Europeu? É um caso a pensar, diz a eurodeputada, que faz um apelo à união do PS nas próximas autárquicas.
Vai candidatar-se à Câmara do Porto nas eleições autárquicas?
Ainda não é o momento do anúncio. O trabalho está muitíssimo bem encaminhado, mas falta finalizá-lo. A finalização passa, por exemplo, por uma tomada de decisão e convite formal por parte do Partido Socialista (PS), sobretudo ao nível da Concelhia do Porto. Penso que o fará a curto prazo. Da minha parte, o processo tem vindo a construir-se num sentido positivo, mas não há pressa. O importante é que tudo suceda a seu tempo, amadurecendo naturalmente.

Então, está pronta para esta candidatura, mas o PS ainda não?
Não acho que seja isso. É um processo de convergência que, informalmente, tem gerado muitos aspectos positivos. Falta que a Concelhia conclua o trabalho que tem desenvolvido através da confirmação da decisão de um convite, de acordo com os estatutos.

É um processo do PS que envolverá outros independentes?
Sim. Será uma das componentes importantes do fecho do acordo, caso venha a concretizar-se. Sempre trabalhei politicamente, mas não sou uma política profissional. Sou uma professora universitária e uma cidadã com carreira própria, que sempre teve intervenção cívica e, a partir de certa altura, política. Então, trabalhei sempre com o PS. Entendemo-nos de forma equilibrada e nunca tivemos conflitos. Agora, neste processo, a convergência implica uma solidez de entendimento, mas também uma percepção de que há necessidade de um alargamento para uma candidatura vencedora. Muitos serão militantes, outros não. Uma candidatura, que poderá ser o que a cidade precisa, terá de ser abrangente com um núcleo central socialista, mas que se abra à sociedade civil, quer à Esquerda, quer à Direita. O Porto não se afirma separadamente da Área Metropolitana, do Norte e do país. A candidatura só terá sucesso se conseguir relançar o concelho.

Fez depender a candidatura de uma maior atenção do Governo à região, porque "ser voluntarista não chega". Já teve essa garantia?
Fiz essa proposta e penso que tem condições para ter uma resposta positiva. Isto passa por entendermos que o progresso do Porto é uma peça fundamental do progresso do país. O Norte sempre foi uma zona por excelência que trazia a Portugal uma abertura ao exterior e uma afirmação do país e da sua capacidade produtiva perante o mundo. E o Porto sempre foi a cabeça dessa dinâmica. Isso tem de ser relançado. Mas é preciso que, dos níveis regional e local, saiam propostas adequadas.

O que aconteceu? O poder central foi subjugando a região ou o poder local não se impôs?
Com a globalização, é muito perigoso anular as diferenças dos diversos espaços do país em função de uma leitura artificial. E perdeu-se a noção de que o essencial era relançar o Norte e o Centro como base produtiva de todo o território. Além disso, o Norte perdeu o protagonismo e o discurso claro sobre para onde queria ir.

Falta uma voz comum ao Norte?
Sim, o que não quer dizer que faltem actores. Há muitos protagonistas e instituições robustas. Faz falta uma região. Há muito que defendo a regionalização. E falta, sobretudo, uma rede que ponha todos num discurso de convergência, perceptível a nível central e que não se desagregue em pequenas vaidades ou rivalidades.

Que papel deve ter a Câmara do Porto nessa rede?
Deve ser fundamental. A situação é, hoje, de muita desagregação. Em Lisboa, não se ouve uma voz clara e harmónica da região. Ela tem muito potencial, mas é preciso refazer a rede e a Câmara é o actor que terá de o fazer.

A propósito do ciclo negativo que a região atravessa, disse que "o dinheiro não resolve, mas facilita".
Temos de evitar facilitismos de discutir tudo com dinheiro, porque dinheiro é aquilo que temos tido. É verdade que fizemos obras muito importantes com os fundos e, hoje, temos uma região razoavelmente infra-estruturada. Por vezes, diz-se que faltou dinheiro para a formação das pessoas. Faltou foi organização e vontade. Agora, temos de passar das pedras para as pessoas e fazer com que a nossa mão-de-obra seja, reconhecidamente, a mais competente.

Esta percepção fê-la avançar?
O Porto está muito fechado sobre ele e mantém a discussão em torno de meia dúzia de temas que já se debatiam há oito anos, como o Parque da Cidade, a Baixa, o Bolhão...Há um potencial muito grande que precisa de ser revitalizado. Toda a gente tem de dar o salto, senão corremos o risco da cidade se tornar irrelevante, como já aconteceu com outras.

A governação de Rui Rio afunilou o discurso político no Porto?
Não me interessa discutir as pessoas. Estarão a fazer o melhor que são capazes. Interessa-me saber se é possível fazer completamente diferente. Recuperar as imagens que temos do Porto, enquanto cidade da Liberdade, do trabalho, da competência, da independência. Será que ainda estamos à altura destes pergaminhos?

O Porto já não é só o território do concelho, mas é também Gaia, Matosinhos e Maia, o que significa que os problemas têm de ser resolvidos com os concelhos vizinhos...
É uma evidência. Mas também não podemos resolver os problemas de toda a área envolvente e esquecermo-nos de que há um coração e que o corpo não funciona sem ele estar activo. O Porto é esse coração. Temos uma Área Metropolitana dinâmica, cujo coração está um pouco esmorecido.

Qual será o envolvimento do PS neste projecto de relançar o Porto?
É importante que haja toda a liberdade para o partido discutir e questionar mas, o pacto comigo tem de ser feito de forma confiante e assumida, em torno de um programa claro e convergente.

O facto de ser candidata ao Parlamento Europeu leva os seus opositores a dizerem que procura uma garantia no caso de perder as autárquicas.
Não tenho essa leitura. No PE, desenvolvo um trabalho muito duro e útil para a região e para o país. Faz sentido, para poder protagonizar uma candidatura ao Porto, largar tudo o que tenho estado a fazer, independentemente daquilo que está em curso e mesmo quando tem clara importância para a região e para o país? Se vier para a Câmara, vou deixar o trabalho que estou a desenvolver porque o Porto é, para mim, mais importante.

Deixará o PE em prol da Câmara?
Se os portuenses confirmarem o seu interesse em que eu venha trabalhar pelo Porto, isso será talvez o ponto mais importante da minha vida profissional, apesar de tudo o que já fiz.

O que está a dizer é que, até agora, não teve um cargo tão importante como o de ser presidente da Câmara?
Essa seria a coisa mais importante da minha vida profissional, sem dúvida, por muito estranho que isto pareça aos meus colegas estrangeiros, que dizem "nós começamos por presidente da Câmara para ir para ministro". Seria o desafio mais importante porque é a minha cidade. E não é o ser presidente, é relançar o Porto.

Uma pergunta que vários socialistas e a própria cidade colocam é se abandona o PE se for eleita.
Sim. Claramente.

E se perder, ficando apenas como vereadora, também deixa o PE?
É um assunto que veremos na altura. Oportunamente, veremos as condições exactas de uma eventual candidatura. Mas se viesse a ser eleita presidente, largava absolutamente tudo para estar aqui.


"O pior é perder tempo com questiúnculas"

Como tem encarado a evolução do projecto do Metro do Porto?
O Metro é um projecto que necessita de ser finalizado naquilo que é fundamental neste quadro comunitário. Quanto à mudança da maioria do capital, fico muito limitada em dizer que os municípios devem ser maioritários. Enquanto ministra do Ambiente, exigi ter uma maioria na Águas do Douro e Paiva por uma questão de eficácia. Tudo depende do entendimento entre o Governo e as câmaras. Creio que há esse entendimento e uma vontade política clara da Administração Central em avançar com o projecto.

O metro na Boavista tem gerado muita polémica. Qual é a sua opinião?
O metro tem que coser a cidade e não me parece que o traçado da Boavista seja o ideal. Pelo contrário, penso que toda a avenida está desconexa e é, hoje, uma marca muito negativa destes desentendimentos permanentes. Este assunto não tem sido tratado de uma forma normal, calma e na base de um entendimento. Eu sempre defendi que o metro ali não funcionava. Não era a melhor solução. A mais adequada seria o eléctrico. O traçado de metro necessita de agregar a cidade e servir as zonas mais populosas, como a linha do Campo Alegre.

Mostra-se optimista quanto ao entendimento entre autarcas e Governo à luz do novo modelo de governação. Mas desde então não tem havido convergência...
É preciso que essa convergência exista. Ninguém está de má fé. O pior que pode acontecer é perder tempo com o vaivém de notícias e de questiúnculas numa altura em que é necessário apressar os projectos, candidatá-los e receber dinheiro de Bruxelas o mais rapidamente possível. É de interesse nacional e dos cidadãos que se acertem traçados e se arranque com a expansão. Face ao estado da economia e à necessidade de não desperdiçar fundos estruturais, não deve perder-se tempo precioso a fazer números para os jornais. Isso é o mais importante.

Acha que essa rapidez é exequível com um calendário para a expansão do metro que vai até 2022?
Claro que é exequível. Um calendário de obras estruturais pode ser a médio e longo prazo. O importante é que a dinâmica de criação dos projectos não conduza a uma dilação temporal que ponha em risco os próprios fundos. Vamos discutir os traçados rapidamente. Este tipo de projectos, por depressa que arranquem, demoram sempre tempo. Era fundamental, portanto, lançar, desde já, um conjunto de outras dinâmicas com mais impacto imediato e sem um caderno de encargos tão exigente que obriguem a um calendário tão diferido.


Relação com Governo não é subserviente

Francisco Assis, vereador e eurodeputado, foi criticado, inclusive pela Concelhia do PS, pela sua ausência. Não receia ser acusada do mesmo?
Do mesmo modo que não sou membro do PS, porque nem sempre consigo ajustar o meu pensamento à normal regra partidária, também a forma como penso não é comparável com ninguém. Farei, na altura, a explicitação do meu contrato com o PS. A seguir, proporei um contrato à cidade.

Terá liberdade para escolher a equipa?
É uma das vertentes do tal entendimento global. A minha leitura é a de que terá de haver um voto de confiança na pessoa e encontrar-se um equilíbrio entre o peso político e a importância do partido e a perspectiva de alargamento.

Se não obtiver maioria absoluta, admite fazer uma coligação?
Daqui a algumas semanas, um mês ou dois, obviamente terei de explicitar tudo isto. O que posso dizer é que tem de ser uma candidatura abrangente em torno de um projecto de cidade.

Tem tido conversações com os partidos mais à esquerda do PS?
Não tenho conversado com partidos, mas com muitas pessoas.

Mas tem falado com responsáveis do PCP e do Bloco de Esquerda?
Sim, dou-me bem com eles. O essencial é termos vontades convergentes vindas de todo o espectro partidário, de pessoas que querem dar algo à cidade e não apropriar-se de um projecto para irem buscar algo, aproveitando-se de pequenos espaços e poderes.

É fundamental o PS não ir dividido nestas eleições, factor apontado como causa para derrotas anteriores?
Isso é absolutamente fundamental. E, por isso, não considero que, eticamente, deva aceitar, como outras pessoas fizeram e várias vezes me foi sugerido, ser candidata independente. Não o quero fazer e não me ficava bem. Agora, a ser candidata, quero sê-lo do fundo da alma. Tem de ser uma candidatura em que se revejam os socialistas. E que eles sintam. Por esse motivo, não tenho feito chantagem ou pressão. O partido tem feito a sua maturação e eu tenho realizado muitos contactos. Tem sido um trabalho muito interessante. No final, quando me fizerem uma proposta, que os termos e a vontade sejam claros. E que seja uma vontade vencedora.

Apesar de já a ter escolhido e de ser consensual, o PS equacionou outros candidatos como Nuno Cardoso...
É evidente que o unanimismo também não é a solução, mas tem de haver uma clara força de vontade por parte do partido. E tenho tido todos os sinais nesse sentido.

Fernando Gomes seria uma boa solução para a Assembleia Municipal?
Sou muito amiga dele e tive muito gosto em ser sua assessora na Câmara. Foi o grande presidente da Câmara do Porto e será sempre uma grande referência. Ainda hoje olhamos para a cidade e vemos as marcas que deixou. Conto com ele e com o seu apoio. Se esse será o lugar mais adequado, é ainda um assunto extemporâneo.

A Distrital do PSD/Porto considera que "é a candidata ideal" para que Rui Rio possa repetir a maioria absoluta. E que é "sucessora" de Fernando Gomes e Nuno Cardoso porque nunca discordou do rumo seguido. Como lhe responde?
De facto, tenho muito orgulho em não me demarcar da política de cidade de Fernando Gomes. Nuno Cardoso teve um período muito curto e difícil.

Também foi convidada para Gaia. O líder da Concelhia defende, agora, que a candidatura seja apresentada em conjunto com a sua, num sinal de aproximação entre os dois municípios, contrário à relação conflituosa entre Rio e Menezes. Concorda?
A única cidade pela qual estaria disponível para equacionar uma candidatura era o Porto. Em segundo lugar, Porto e Gaia têm de ter uma relação muito estreita e completamente cúmplice. O rio tem de ser factor de união e não de separação. Tem de haver capacidade de discutir projectos.

Um dos pecados da governação de Rui Rio é a falta de articulação com Gaia?
Não há articulação suficiente. Devem ter estratégias convergentes. A requalificação ambiental permitiu a Gaia relançar-se muito e é importante que esses benefícios sejam partilhados pelas zonas ribeirinhas dos dois lados.

Em 2009, há três eleições. O facto de o PS ser Governo pode afectar positiva ou negativamente a sua candidatura?
Não faço a mínima ideia de como as coisas vão ser lidas pelos cidadãos. Gostava que a necessidade de relançar o Porto e o Norte fosse o nosso objectivo fundamental. E não o queria ver prejudicado por lutas partidárias, rivalidades ou estratégias políticas. O meu desígnio é que o país se relance, que o Norte volte a ter protagonismo e o Porto seja a capital da região. Como as eleições vão jogar aí? Espero que não se prejudiquem mutuamente, porque pode haver convergências, até ao nível das eleições europeias. Poderei não concordar com todas as linhas seguidas por este Governo, mas fez uma mudança muito grande. Mexeu em corporações e em vícios enquistados.

Há um esforço para mostrar que, no essencial, não diverge de José Sócrates?
Tenho tido uma convergência total, em termos de linhas de fundo, com a política nacional. Considero-me livre de discordar e faço-o com a maior das frontalidades, para bem do país e da região. E penso que a nossa relação é muito saudável porque não é de subserviência, é de respeito mútuo e de solidariedade nas questões verdadeiramente importantes.


"Não vejo necessidade de hostilizar o FC Porto"

É reconhecidamente adepta do FC Porto.
Sou sócia...

E é sabido que as relações entre o actual presidente e o clube são desastrosas. O que mudará se for eleita?
Fui seis anos ministra, vivi oito anos em Lisboa e fui deputada no Parlamento nacional, mas nunca precisei de deixar de me afirmar como portuense nem como portista no exercício das minhas funções. Nunca precisei de passar por metamorfoses. E não vejo necessidade de hostilizar uma entidade como o FC Porto, que prestigia o país. Quer se queira quer não, ao nível desportivo é uma imagem de excelência associada à cidade. Assim como é o trabalho feito por Sobrinho Simões, Mário de Sousa e Quintanilha, ao nível da investigação na área da Saúde. Assim como é a Universidade do Porto, a Casa da Música ou a Fundação de Serralves. Acrescentaria, aqui, o Vinho do Porto. Em Bruxelas, foi tema da exposição que fiz, para dar à minha região e cidade o máximo de visibilidade dentro do Parlamento Europeu. São marcas de excelência e têm de ser respeitadas. Quanto ao futebol, se há problemas tratem-se no espaço certo. Se o Boavista estivesse a afirmar-se no espaço europeu, teria o maior gosto em defendê-lo, e o mesmo digo em relação ao Salgueiros. Tudo o que houver de excelência na cidade, vou dependurar em torno de uma imagem da cidade que tem de afirmar-se além-fronteiras.


Projecto do Rivoli traz dinâmica à cidade

É uma opção correcta colocar a reabilitação da Baixa sobretudo nas mãos dos privados?
A iniciativa privada é um factor fundamental para relançar toda a dinâmica, mas a sua acção tem de ser regulada. É preciso haver uma articulação entre Estado e mercado. Neste momento, também não queria discutir o processo de reabilitação. Há sociedades de reabilitação urbana em várias cidades. É uma política muitíssimo interessante e julgo que há grandes margens de progresso para um instrumento com imenso potencial, mas que precisa de ser refinado.

A Maioria PSD/PP tem optado pela privatização de equipamentos municipais por considerar que o privado gere melhor. Concorda?
Confrange-me que o poder local dê essa imagem, até porque, na negociação com a Administração Central para a transferência de poderes, é importante que haja uma prova de que existe capacidade de gerir. A gestão pode ser feita internamente, partilhada ou concessionada. Depende do tipo de projectos. No caso do Mercado do Bolhão, faz-me confusão que a imagem seja de uma incapacidade de gerir: ou se transfere para os privados ou para a Administração Central. Isto fragiliza-nos. Não se dá uma imagem de competência. Parece-me complicado não ter um controlo razoável e competente do modo como se gerem de alguns equipamentos importantes para a cidade.

O mesmo sucedeu ao Rivoli...
Neste caso, interessa mais ver as contas, porque o projecto traz dinâmica à cidade. O problema é ele ser o único. Mas há duas questões que é preciso equacionar: quais são as outras componentes da política cultural que deve ser diversificada e ter muitos públicos. E quanto custa, quanto se ganha e quanto se perde? Isso tem que ser clarificado.

O Porto é hoje uma cidade com menos diversidade cultural?
A dimensão cultural do Porto é uma das componentes fundamentais de uma cidade que seja uma metrópole europeia capaz de dar qualidade de vida aos cidadãos. Para mim, a cultura deve ser um fenómeno muito diversificado. É preciso clarificar o que é cultura e o que é entertenimento, o que é comercialmente rentável e aquilo que uma cidade tem de fazer e que toca, não a parte propriamente rentável, mas o questionar das coisas. O que faz com que os cidadãos pensem. E temos a virtude de no Porto ter algo que não acontece em mais nenhuma parte do país: um mecenato absolutamente único e europeu.

Reuniu-se com o bispo do Porto?
Encontrei-me com muita gente da Igreja. Pedi que falassem comigo, as portas abriram-se, tive gestos fantásticos e senti uma força quase insuspeita. Independentemente da questão religiosa, reconheço à Igreja um trabalho cívico espantoso, ao lado de entidades e de gente que se entrega ao trabalho de solidariedade e se afirma por valores, que os partidos não foram capazes de incorporar.


Perfil
Elisa Ferreira foi ministra do Ambiente quatro anos, no tempo de Guterres, com a dura tarefa de impor a co-incineração, e foi ministra do Planeamento, tendo estruturado o terceiro quadro comunitário. O Douro Património Mundial e as aldeias históricas são outras das suas marcas. Além disso, esta professora universitária, doutorada em Economia, foi vice-presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte e da bancada do PS.

Entrevista conduzida por José Leite Pereira, Carla Soares e Carla Sofia Luz, e publicada no «Jornal de Notícias» do dia 1 de Janeiro de 2009. Imagem divulgada no site do JN.